AO MÉDICO OU AO BENZEDOR

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AO MÉDICO OU AO BENZEDOR

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A ''difícil'' opção:

Ao médico ou ao benzedor? - EB(Parte 1)

Revista: "PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

Autor: Estevão Bettencourt, Osb

Nº 193, - Ano 1976, p. 3 CERTGF

Em síntese:

É grande o número de pessoas que vão procurar benzedores e curandeiros para se tratar ou livrar de males físicos e psíquicos. Não se pode negar que essa "medicina livre" tenha seus eleitos positivos em favor da saúde do paciente. Todavia note-se que a sua ação é psicoterapêutica. O curandeiro (ou médium ou ministro "messiânico") desencadeia no seu cliente uma atitude de otimismo, paz e confiança, que concorrem fortemente para inverter o processo psicológico donde muitas vezes se deriva o mal do paciente. 

As moléstias que os curandeiros atingem, são geralmente moléstias funcionais, cujo fundo é um conflito ou bloqueio psíquico. O poder da sugestão (consciente ou inconsciente) é enorme, como comprovam numerosas experiências feitas sobre enfermos. O doente que recorre a um curandeiro, é particularmente sugestionável, pois muitas vezes olha para a bênção ou o passe como para a sua última tábua de salvação; esta lhe é apresentada em termos de "mística" impressionante, depois que o paciente procurou em vão a saúde entre os recursos

da ciência médica. 

 

 

Embora os centros espíritas e outros ambientes de cura religiosa possam contribuir para o alívio dos seus pacientes, não se pode recomendar nem aprovar a consulta a tais centros, pois na verdade a cura por sugestão obtida em tais lugares contribui para alienar poderosamente o paciente; este, doravante, se julgará dependente da entidade do Além em nome da qual tiver sido dada a bênção. Os fiéis católicos têm a força redentora de Cristo presente nos sacramentos e na oração; quem necessita de tratamento psicológico, procure-o entre os profissionais da medicina, que podem curar sem alienar o paciente.

Ademais a consulta a um curandeiro ou ministro "messiânico" é, ao menos indiretamente, a prática de falso culto religioso - o que é intolerável da parte de quem tem consciência da fé que professa. Comentário: Nota-se que vão tomando vulto crescente as seitas e os grupos religiosos que em nome da Divindade e do além anunciam curas de doenças. Além dos diversos centros de espiritismo e terreiros de macumba, pode-se mencionar a chamada "Igreja Messiânica" (Sheiko-No-Iê), cujos ministros oram, de modo a obter a cura dos enfermos em termos que muita gente julga milagrosos.

Diante destes fatos, não poucas pessoas, mesmo católicas, vão procurar alívio para seus males nesses grupos religiosos. Há fiéis católicos que perguntam se não podem ir à Igreja Messiânica ou ao centro espírita só para pedir curas, sem ter a intenção de aderir às crenças professadas pelo ministro ou médium respectivo. Eis o problema que vamos abordar nestas páginas.

De antemão desejamos acentuar que não tencionamos negar a Deus o poder de fazer milagres ou curas maravilhosas; o Criador e Senhor da natureza pode ultrapassar as leis das criaturas e realizar portentos segundo o seu beneplácito; as Sagradas Escrituras - em particular, o Evangelho - atestam tais milagres efetuados pelo Senhor Jesus. Todavia deve-se acentuar que os milagres de Deus têm sempre um sentido de Palavra ou Mensagem para os homens; constituem uma resposta sábia de Deus a um contexto religioso digno; nunca são meros "shows" ou ostentação de poder da parte do Senhor Deus.

O que impressiona o cristão nos milagres de Deus, não é só o caráter portentoso dos mesmos, mas também, e necessariamente, o valor de mensagem de que se revestem estes feitos maravilhosos. Ora, nos muitos relatos de "curas milagrosas" hoje esparsos, nota-se que se dá atenção principalmente ao caráter portentoso do fenômeno; desde que essa índole maravilhosa se verifique, costumam os "devotos" atribuir o fato a alguma intervenção do Além (podendo esse Além ser concebido em termos de espiritismo, de umbanda, de "Ciência Cristã", de Pentecostalismo, de Sheiko-No-Iê...).

Entre os "devotos", pouco se levam em conta as conclusões da psicologia e da parapsicologia de nossos dias, que explicam grande número de curas maravilhosas como conseqüências de processos psicológicos desencadeados tanto no enfermo como no respectivo médium ou curandeiro. - Em vista do ecleticismo religioso que assim se origina, proporemos algumas noções que poderão projetar luz sobre a problemática.

1. Doenças psicossomáticas

Quem examina os casos de doenças curadas pelos médiuns e curandeiros, verifica que são, em grande maioria, moléstias funcionais ou então "doenças sem causa" (dores, paralisias, fraqueza geral...). Tais moléstias estão estreitamente associadas a estados psíquicos; são psicogênicas ou, ao menos, fortemente psicossomáticas. De modo geral, deve-se dizer que o ser humano é um só todo em que o físico e o psíquico se interpenetram mutuamente.

Em conseqüência, perguntam muitos médicos se a origem de graves infecções é tão somente a bacilo ou o vírus respectivo; não se deveria, antes, afirmar que tais moléstias não são senão sinais e conseqüências de um estado de desequilíbrio total (psíquico e físico) do paciente? - Neste caso, não se deveria falar de doenças abstratamente, mas, sim, de pessoas doentes, levando-se em conta o quadro geral do paciente (temperamento, vida passada, ocupações e interesses do momento...).

Diz o Dr. René Biot: "Não há doenças; estas não são coisas existentes em si... As bactérias talvez não sejam mais do que as testemunhas de um processo patogênico infinitamente mais sutil" ("Vers l'unité de la Médicine", p. 336). Os estudos psicanalíticos confirmam tal conclusão: os conflitos psíquicos abrem, muitas vezes, a porta às doenças. O fato de que, dentre milhares de pessoas que vivem em ambientes contaminados por bacilos, somente algumas contraiam a doença respectiva (nem sempre ao menos resistentes do ponto de vista físico) leva a pensar seriamente sobre a influência do estado psíquico do sujeito sobre a sua resistência física.

De modo especial, são doenças psicossomáticas:

a) as úlceras do estômago. Em 1950 fez-se um inquérito em Clínica sueca a respeito de 108 doentes de úlcera estomacal. Donde resultou que 54 dentre eles sofriam de conflitos mentais agudos, 29 sofriam de conflitos mentais crônicos, 22 apresentavam sintomas de desequilíbrio psicológico sem conflito, 3 apenas não manifestavam sintomas psicopatológicas. Sabe-se, de resto, que grande número de perturbações digestivas têm por sede pessoas que sofrem por não ser amadas.

b) As moléstias cutâneas (urticária, verrugas, eczemas...) são geralmente o motivo de fama de todo curandeiro principiante.

c) A asma, o hipertiroidismo, os fibromas (...) d) Além destas, há as doenças "sem causa": enxaquecas, nevralgias, palpitações, insuficiência hepática, paralisias parciais... O exame fisiológico do paciente nada descobre de anormal no mesmo; parece inútil querer então tratar do fígado, do estômago, do coração, pois estes órgãos estão sadios.

O que o terapeuta deve atingir em tais circunstâncias, é o mesencéfalo ou o sistema nervoso do paciente; e para tanto, ninguém está mais habilitado do que o próprio paciente. Vem a propósito a seguinte notícia de nossa imprensa: "O Dr. Maurício Knobel, psicanalista argentino, presidente do Colégio Internacional de Medicina Psicossomática, conta o caso de um pediatra, ex-aluno seu, que sempre desconfiou muito e resistiu à compreensão da visão psicossomática. Esse médico foi chamado numa noite à casa de uma família para atender ao filho, que estava com forte dor de garganta.

Era a sétima vez que isso acontecia naquele inverno. O médico tinha que se levantar tarde da noite e ir ver o cliente. Ao chegar, perguntou brincando: - Como é? Por que você tem tanta dor de garganta? À inocente pergunta, ouvir surpreso a seguinte resposta - Quando fico doente, papai e mamãe não brigam. Na verdade, seus pais vivem brigando e não se davam bem.

A partir daquele episódio com o menino, o pediatra confessou ao Dr. Knobel que começou a dar maior importância "a essas coisas de que o Sr. falava". Encaminhou o casal à orientação psicológica - o que resultou, depois de algum tempo, na melhoria do relacionamento familiar. O menino não teria mais dor de garganta" ("O Globo", Suplemento de domingo 19/X/1975, p. 2). Prossigamos agora a nossa exposição.

2. Cura psicossomática

1. Como dito, o paciente em numerosos casos (principalmente nos mais fortemente psicossomáticos) é causa da sua própria doença, ainda que não o saiba ou mesmo recuse a hipótese de ser tal. O mesmo, por conseguinte, pode ser também a causa de sua própria recuperação. Para tanto, basta que o processo psicológico seja invertido; e, a fim de que isto aconteça, o paciente precisa muitas vezes de auxílio ou mesmo de um choque.

É neste contexto que se situa oportunamente a função do curandeiro. Este, não tendo estudado a medicina científica, não se pode interessar muito pelo diagnóstico científico das moléstias. Ele tem que visar muito mais ao enfermo do que à enfermidade como tal. A essência da sua arte consiste em estabelecer um contato de pessoa a pessoa com o seu consulente, consulente que, por via de regra, está cheio de expectativas.

Não estando ligado às normas da medicina científica, o curandeiro pode com habilidade adaptar-se à personalidade do seu paciente, procurando "simpatizar" com ele ("simpatizar" no sentido etimológico de "padecer com..., identificar-se com quem sofre"); será autoritário para com uns, paterno e bondoso para com outros, tornando-se, em suma, para todos "o homem do momento". Justamente por não possuir formação científica, o curandeiro facilmente crê possuir um dom extraordinário - o das curas - assim como a missão divina de utilizar essa graça em favor do próximo.

2. Ora é precisamente dessa figura de amigo simpático, "místico", famoso por "prodígios" já operados, que o paciente muitas vezes necessita. Este não vai procurar o médium em conseqüência de conclusões científicas ou raciocínio rigoroso, mas, sim, movido por fatores emocionais; o que o impressiona, é a pessoa do curandeiro, tida como extraordinária, dotada de poderes taumatúrgicos e de intuições místicas.

É a pessoa do médium, e não o remédio, que age sobre o paciente; verifica-se até que o mesmo remédio aplicado ao paciente por outra pessoa que não o curandeiro "tal", não produz efeito algum. Mais precisamente: note-se que o estado de ânimo de quem vai consultar um médium é bem diferente do estado de quem se dirige a um médico propriamente dito. Quem vai ao curandeiro, muitas vezes se acha desiludido dos remédios da medicina; está psiquicamente abatido...

Ouviu repentinamente falar de tal ou tal "milagreiro", a quem numerosas curas são atribuídas. Aceita então com avidez a hipótese de vir a ser também beneficiado por esse "emissário do Alto"; predispõe-se assim a ser influenciado por este; perde o seu senso crítico e toma a atitude de uma criança, que não sabendo como salvar-se, confia cegamente nos poderes maravilhosos de quem é maior.

3. Na verdade, os recursos que o curandeiro aplica ao seu paciente, são, do ponto de vista médico, pouco ou nada eficazes; trata-se de águas lustrais, chás, banhos, gestos rituais... Tais recursos são, de resto, aplicados (com poucas diferenças) a todos os tipos de pacientes. São, por si, inadequados para resolver a situação. Todavia são suficientes para mover as forças poderosíssimas do subconsciente dos enfermos, forças essas que influem decisivamente sobre a saúde ou a doença.

Assim é que a visita a um curandeiro pode obter o efeito desejado, não pelo valor dos recursos aplicados, mas porque estes exercem a função de catalisar, isto, é de acelerar um processo psíquico já iniciado no paciente. Este processo psíquico é que provocará finalmente a cura (real ou aparente, duradoura ou transitória...; isto depende das circunstâncias de cada caso) da moléstia que acabrunha o consulente.

Assim se explica que em não poucos casos o encontro do enfermo com o curandeiro provoque realmente a restauração (ao menos aparente) da saúde. O tratamento então é psíquico, e não somático. Em muitos casos o paciente se sente aliviado, mas não está curado; a raiz de seus males não foi atingida pelo contato com o benzedor.

4. Merece ainda atenção o seguinte: muitas das pessoas que dizem ter sido beneficiadas por curandeiros ou médiuns, são pessoas cujas doenças eram um tanto indefinidas; achavam-se fracas, mal podiam ficar em pé, sofriam de dores de cabeça, estavam na perspectiva de ser operadas e foram poupadas disto, não podiam mover o braço... É muitas vezes isto que se lê nos noticiários populares de curas maravilhosas.

Que tais fórmulas não são científicas, dado o seu teor vago; perguntar-se-ia: achavam-se fracas por quê?... sofriam de dores de cabeça precisamente onde, quando? ... iam ser operadas de quê, segundo qual médico? ... não podiam em hipótese alguma mover o braço?... e desde quando ? Não raro acontece que tais pacientes de doenças mal definidas ou "sem causa" vão procurar um médico para receber um tratamento adequado; o clínico, depois de atento exame, declara ao paciente que este não está sofrendo de moléstia alguma; alguns médicos acrescentam mesmo oportunas explicações sobre "imaginação, neurose, psicose, males funcionais", etc., no intuito de ajudar o paciente a se libertar do seu sofrimento.

Embora tais doenças não tenham causa orgânica, não são doenças imaginárias, mas, sim, moléstias reais, que fazem sofrer duramente os respectivos pacientes. Tais pacientes esperam do médico não só a explicação, mas principalmente o alívio de suas enfermidades... Diante da explicação científica que o médico lhes dá, assegurando-lhes que nada têm de orgânico, muitos pacientes se indignam como se estivessem sendo tratados como loucos; vão então consultar mais dois ou três médicos, dos quais ouvem a mesma explicação científica.

O paciente nessas circunstâncias exaspera-se, mormente se ninguém se lembra de lhe sugerir que vá procurar um tratamento psicológico. Sentindo-se mal e não encontrando solução por parte dos médicos, o enfermo começa a apelar para fatores transcendentais: ou se julga possesso do demônio ou perseguido por um "espírito encostado"... Muitas vezes, a essa altura uma pessoa amiga sobrevem, dizendo conhecer um curandeiro ou benzedor de grande eficácia, autor de numerosas curas maravilhosas... Tem-se assim mais um cliente para os médiuns e benzedores.

Estes, mediante sua influência pessoal comunicada através de ritos próprios, vão agir não sobre o físico, mas sobre o psíquico do paciente (pois é o psíquico que está nervoso e impressionado), conseguindo bons resultados; farão assim as vezes de um psicólogo ou psicoterapeuta.